Os deuses foram originalmente uma classe específica de entidades espirituais pressupostas pelos mitos e ritos tradicionais das culturas indo-européias. Sincretismos e analogias levaram a estender o conceito a outras entidades de importância comparável nas mesmas mitologias, bem como a entidades mais ou menos análogas de outras culturas, como os kami japoneses ou os orixás iorubás, e mesmo ao Deus único das religiões monoteístas.
Deuses proto-indo-europeus[]
Etimologicamente, a palavra “deus” deriva do proto-indo-europeu *deiwos através do latim deus, cognato do sânscrito deva, avéstico daeva (embora nesta língua a palavra tenha o sentido de “demônio”), grego dio (embora a forma mais comum seja theos), gaulês devo, irlandês dia. Em algumas línguas, deu origem ao nome de um deus específico: proto-germânico Tiwaz, alto alemão antigo Ziu, nórdico antigo Týr, inglês antigo Tiw, eslavo Dazbog, lituano Dievas. O termo deve ter inicialmente designado os deuses como seres do céu diurno, pois deriva da raiz *dei-, “brilhar”, assim como o termo “dia”, em oposição à noite (latim dies, védico dyauh, irlandês dia).
Alguns nomes de deuses são geralmente reconhecidos como comuns a várias línguas indo-européias antigas e provavelmente presentes nas crenças da cultura proto-indo-européia que as originou:
- *Dyeus Phter, Céu-Pai, do qual derivam os nomes do deus grego Zeus, o latino Júpiter, o indiano Dyaus ou Dyaus Pita e o irlandês Dagda.
- *Plthvih Mhter, Terra-Mãe, que dá a hitita Lelwanni, a Indiana Prthivi, a grega Demeter, a romana, Latona; e o grego Ploutos.
- *Sehul, o Sol, do qual derivam o indiano Surya, avéstico Hvara; grego Hélios (e talvez Helena); latino Sol; galês, Dylan; nórdico antigo Sol; inglês antigo Sigel e Sunna, russo Zorya, lituano *Saulē. O gênero gramatical e do deus variam.
- *Mehnot, a Lua, que dá o avéstico Mah; nórdico antigo Mani, inglês antigo Mona; eslavo Myesyats; lituano *Mēnō, or Menuo; letão Meness, também de gênero variável.
- *Heusos, a Aurora, que dá a grega Eos, a latina Aurora e a védica Ushas.
- *Perkwunos, o Golpeador, relacionado ao trovão, do qual viriam o indiano Parjanya, o prussiano Perkūns, lituano Perkūnas, letão Pērkons, eslavo Perun e o nórdico Fjörgyn.
- *Pehuson, deus pastoral, do qual derivariam o grego Pã, o romano Fauno e os indianos Pashupati e Pushan.
- *Hepom Nepots, “neto/sobrinho das águas”, do qual viriam o védico e persa Apam Napat, o latino Netuno, o celta Nechtan, o etrusco Nethuns, e o germânico Hnikar.
- *Dehnu, “deusa do rio”, relacionado à indiana Danu, irlandesa Danu e galesa Don e também ao nome de vários rios: Danúbio, Don, Dnieper, Dniester e o lendário Erídano, entre outros.
- *Welnos, “deus do gado”, relacionado ao eslavo Veles, lituano Velnias, "protetor dos rebanhos"; nórdico antigo Ullr e inglês arcaico Wuldor.
Deuses na antropologia evolucionista[]
Do ponto de vista da antropologia evolucionista, os deuses, característicos do politeísmo, são entidades imaginadas como bem definidas e universais, em oposição aos daimones, seres geralmente menos definidos que se supõe associados a determinado lugar (árvores, pedras, bosques etc.), pessoa, ou tribo.
Segundo essa concepção, a crença em daimones, ou "polidemonismo" era a forma mais primitiva de religião, sucedida pelo politeísmo (crença em deuses, de personalidade mais definida e concebidos como universais), pelo henoteísmo (crença em um deus acima dos demais) e finalmente pelo monoteísmo (crença em um Deus único).
O polidemonismo, por outro lado, teria sido precedido pelo animismo, crença generalizada em espíritos que não são objeto de culto sistemático.
Correspondências entre deuses[]
Ao longo da Antiguidade, diferentes povos julgaram reconhecer os deuses de outras culturas nos seus próprios e vice-versa. Os romanos, por exemplo, identificaram a maioria de seus próprios deuses – cuja mitologia era relativamente pobre, embora seu culto e ritual fosse rico e complexas suas relações com vida quotidiana – a deuses gregos, incorporando sua rica mitologia, embora esta nem sempre parecesse compatível em todos os aspectos com os conceitos que os romanos originalmente tinham de suas próprias divindades.
Isso não significa necessariamente uma tentativa consciente de impor suas próprias concepções às alheias, como às vezes se interpreta a atitude dos romanos, nem de disfarçar suas crenças sob as aparências de um culto mais aceito e poderoso, como se costuma interpretar o comportamento de povos submetidos aos romanos e também, por exemplo, o sincretismo dos orixás iorubas com os santos católicos.
Em geral, é uma conseqüência lógica do pressuposto de cada cultura politeísta de que seus deuses são universais. Decorre dessa crença que deuses com atributos mais ou menos análogos de outras culturas, ou invocados em situações similares, sejam considerados os mesmos deuses com outros nomes, ainda que suas mitologias possam ser muito diferentes.
Quanto aos deuses conhecidos por gregos, romanos e os povos com os quais entraram em contato, as correspondências geralmente reconhecidas estão demonstradas a seguir
Deuses relacionados em grande parte do mundo antigo[]
deus grego |
deus latino |
deus etrusco |
deus egípcio |
deus gaulês ou britânico |
deus cananeu |
deus nórdico ou germânico | |
Adônis | Adônis | Atunis | Tammuz | ||||
Asclépio | Esculápio ou Veiove | Eshmun | |||||
Apolo ou Febo | Apolo ou Febo | Aplu | Hórus | Beleno, Borvo, Granno ou Maponos | Freyr | ||
Afrodite | Vênus | Turan | Hátor ou Néftis | Astarte,Anat | Frigg / Frija ou Freya / Fricco | ||
Ares | Marte | Maris | Onuris (Anhur) | Toutatis ou Nodens | Tyr / Tiw / Ziu | ||
Ártemis | Diana | Artume | Bast / Bastet | ||||
Atena | Minerva | Menrva | Neith | Sulis, Coventina, Icovellauna ou Sequana | Tanit | ||
Cronos | Saturno | El, Hammon, Moloch ou Javé | |||||
Deméter | Ceres | Ísis | |||||
Dioniso ou Baco | Líber ou Baco | Fufluns | Osíris | ||||
Eros | Cupido | Iah | Nanna ou Nammu | ||||
Gaia | Flora | Ishtar ou Inanna | Frigg | ||||
Hécate | Trívia | Ceridween | |||||
Hélios | Sol | Aplu | Ra | Sol / Sunna | |||
Hefesto | Vulcano | Sethlans | Ptah | Gobannos | |||
Hera | Juno | Uni | Nut | ||||
Héracles | Hércules | Hercle | Harsafes | Ogmios | Melcarte | ||
Hermes | Mercúrio | Turms | Thot | Lugus | Odin / Woden / Wotan | ||
Higeia | Salus (Saúde) | Sirona | |||||
Leto | Latona | Buto ou Uadjet | |||||
Maia | Maia, Bona Dea | Rosmerta | |||||
Pã | Fauno | Min | |||||
Reia | Magna Mater / Ops | Tefnut | |||||
Nike | Vitória | Bodua | |||||
Nix | Nox (Noite) | Nott | |||||
Selene | Lua / Diana | Máni | |||||
Têmis | Justiça | Maat | |||||
Zeus | Júpiter ou Jove | Tinia | Amon | Taranis | Doliqueno ou Baal Hadad | Thor / Thunar / Donar | |
Sileno | Silvano | Selvans | Sucellus | ||||
Moiras | Parcas ou Fatas | Nornas | |||||
Cloto | Nona | Urdr | |||||
Láquesis | Décima | Verdandi | |||||
Átropos | Morta | Leinth | Skuld |
Deuses relacionados apenas no âmbito grego e itálico[]
deus grego |
deus latino |
deus etrusco |
Anfitrite | Salácia | - |
Ananke | Necessidade | - |
Cárites | Graças | |
Caronte | Caronte | Charun |
Cástor | Cástor | Castur |
Cibele | Magna Mater | |
Clóris | Flora | |
Ênio | Belona | |
Eos | Aurora ou Matuta | Thesan |
Eósforo ou Fósforo | Lúcifer | |
Erínias | Diras ou Fúrias | |
Éris | Discórdia | |
Eros | Cupido ou Amor | |
Feme | Fama | |
Gaia | Tellus ou Terra | |
Hades ou Plutão | Dis Pater / Plutão / Orco | Aita |
Hécate | Trivia ou Diana | |
Hebe | Juventas | |
Héspero | Vésper | |
Héstia | Vesta | |
Hipnos | Somnus (Sono) | |
Horas | Horas ou Estações | |
Ilítia | Lucina | |
Irene | Pax (Paz) | |
Musas | Camenas | |
Odisseu | Ulixes ou Ulisses | Uthuze |
Palêmon | Portunes | |
Panes | Faunos | |
Perséfone | Prosérpina | Aita |
Plutão | Dis Pater / Plutão / Orco | Aita |
Polideuces | Pólux | Pultuce |
Posêidon | Netuno | Nethuns |
Sátiros | Faunos | |
Sêmele | Stimula | Semla |
Tânatos | Morte | Leinth ou Charun |
Tique | Fortuna | Nortia |
Urano | Céu (Caelus) | |
Jano | Ani | |
Terminus | ||
Vertumno | Voltumna | |
Anemoi | Ventos | - |
Bóreas | Aquilão | Andas |
Euro | Vulturno | |
Noto | Austro | |
Zéfiro | Favônio |
Referências[]
- Manfred Lurker, Dicionário dos Deuses e Demônios, São Paulo: Martins Fontes, 1993
- Émile Benveniste, O Vocabulário das Instituições Indo-européias, Campinas: Unicamp, 1995
- Pierre Lévêque, As Primeiras Civilizações - Volume III: os indo-europeus e os semitas, Lisboa: Edições 70, 1990.
- Wikipedia (em inglês): Interpretatio graeca [1]
- Wikipedia (em inglês): Proto-Indo-European religion [2]