Hermes (do grego Ἑρμῆς, Hermês, de etimologia desconhecida), também chamado Argeifontes ("matador de Argos"), Cilênio ("do monte Cilene"), Pompeu ("guia") e Mercúrio (em função do sincretismo com o deus romano), parece ter sido, de início, um deus agrário, protetor dos pastores nômades indo-europeus e seus rebanhos, daí seu epíteto de "Crióforo" (portador do carneiro) e ser representado muitas vezes com um carneiro sobre os ombros. Pausânias deixa bem clara essa atribuição: "Não existe outro deus que demonstre tanta solicitude para com os rebanhos e seu crescimento".
Os gregos ampliaram-lhe, entretanto, as funções. O mito de Hermes furtando o rebanho de Apolo o fez também o símbolo de tudo quanto implica em astúcia, ardil e trapaça. É um trickster, um trapaceiro, um velhaco, companheiro, amigo e protetor dos comerciantes e dos ladrões. Na tragédia Reso, erroneamente atribuída a Eurípides, é chamado "Senhor dos que realizam seus negócios durante a noite".
Escritores e poetas também lhe atribuíram prerrogativas mais dignas, como mensageiro dos deuses e dispensador de bens. Protetor dos viajantes, é o deus das estradas. Guardião dos caminhos, cada transeunte lançava uma pedra em seu monte, formando um hérmaion para agradecê-lo ou conseguir bons lucros. Hérmaion tinha também o significado de "lucro inesperado, descoberta feliz", pois toda boa oportunidade era uma dádiva de Hermes.
Hermes não se perdia à noite, era porque, dominando as trevas, conhecia perfeitamente o roteiro. Com sua velocidade e o domínio dos três níveis - céu, terra e subterrâneo - tornou-se o mensageiro predileto dos deuses, sobretudo do pai Zeus e do casal ctônico, Hades e Perséfone e o intérprete de sua vontade: hermeneus, em grego, é "intérprete" e dessa palavra vem "hermenêutica", a técnica da interpretação de textos (originalmente, dos textos sagrados). Conhecedor dos caminhos e de suas encruzilhadas, não se perdendo nas trevas, tornou-se também deus psicopompo, quer dizer, condutor de almas da terra para o submundo e vice-versa.
Atributos de Hermes[]
Hermes possuía um par de calçados alados que, nas representações artísticas antigas, são botas curtas de viajante, chamadas pteroeis pedila em grego e talaria em latim. Davam-lhe incrível velocidade e permitiam-lhe voar entre o Olimpo e a Terra. Na poesia antiga e também na arte moderna, essas botas se tranformaram em sandálias de ouro, igualmente aladas.
O deus também é representado ora com um chapéu alado, ora com um chapéu de viajante, de abas largas. Este último era chamado Chapéu de Aidoneus ("Escondido") e lhe atribuíam o poder de tornar invisível seu portador.
Atribuíam-lhe também uma harpe ou espada de ouro que usou na luta contra os gigantes, mas esta raramente é representada na arte.
O atributo mais característico de Hermes é o caduceu (em grego kerykeion, "bastão de arauto"), similar ao que era usado, nas assembléias gregas, por quem estivesse com a palavra. Representa seu papel de arauto e mensageiro dos deuses, mas além disso era considerado capaz de induzir o sono. Nas representações antigas, duas serpentes se enrolavam na sua ponta.
Segundo a Astronômica de Higino, Hermes estava na Arcádia quando viu duas cobras lutando e pôs seu bastão entre elas para separá-las, dizendo que seu bastão tinha a missão de trazer a paz. Por isso, segundo esse autor, colocavam-se também as cobras, como símbolo de paz, nos caduceus usados em provas atléticas e outras competições.
Na Idade Moderna, a partir do século XVI, o caduceu como símbolo de paz foi freqüentemente confundido com o bastão de Asclépio, que tem apenas uma serpente enrolada à sua volta e por isso foi também usado (erroneamente) como símbolo da medicina. Na representação moderna, as serpentes se enrolam em toda a extensão do caduceu e este tem duas asas na ponta, como as sandálias e o chapéu de Hermes.
Animais e Plantas de Hermes[]
Consagrados a Hermes, segundo os gregos, eram:
- A lebre, por sua fertilidade. Segundo Higino, dizia-se que Hermes tinha posto nos céus a constelação da Lebre e deu ao animal o poder de engravidar quando ainda está dando a luz a ninhada anterior.
- O falcão ou gavião (o termo grego hierax vale para ambos), provavelmente por sua velocidade. Em alguns mitos, Hermes transforma humanos em gaviões.
- A tartaruga. Além de ter inventado a lira a partir de uma casca de tartaruga, Hermes teria transformado em tartaruga uma ninfa chamada Quelone (Khelone, "tartaruga" em grego) que recusou um convite para ir à festa dos deuses.
- O carneiro. Como deus dos pastores, Hermes freqüentemente carregava um carneiro nos ombros.
- O açafrão (Crocus sativus). Teria sido criado por Hermes do sangue da ninfa Crocos (krokos, a flor do açafrão) que ele amara.
- O medronheiro (Arbutus unedo, chamado andrakhnos em grego, strawberry-tree em inglês), espécie frutífera de pequena árvore ou grande arbusto. Os supostos restos do medronheiro sob o qual Hermes teria sido amamentado eram conservados em um santuário de Hermes em Tânagra, na Beócia.
Mitos de Hermes[]
- Hermes, filho de Zeus e de Maia, nasceu em uma caverna da Arcádia. Logo após o nascimento, a mãe enfaixou-o e o pôs a dormir em um cesto, no vão de um salgueiro. Sem que ninguém percebesse, Hermes soltou-se de suas faixas, fugiu e se dirigiu à Tessália, onde roubou várias cabeças de gado do rebanho de Admeto, ao qual Apolo havia sido condenado a servir. Conduziu o gado por quase toda a Hélade, tendo amarrado folhudos ramos em suas caudas, para que apagassem o próprio rastro e o escondeu em Pilos, na Messênia, onde sacrificou duas novilhas, dividindo-as em doze partes, embora os olímpicos fossem, então, apenas onze: ele mesmo se promovera a décimo-segundo. Tendo encontrado uma tartaruga à entrada da caverna, matou-a, arrancou-lhe a carapaça e, com as tripas das novilhs sacrificadas, fabricou a primeira lira. Voltou à sua caverna antes do dia terminar, deitou-se e ficou bem quietinho no cesto. Apolo, versado em adivinhações, descobriu a identidade do astucioso ladrão. Ao se queixar do roubo, a mãe negou, apontando-lhe a criança enfaixada e quieta na cesta. Mas Apolo viu o couro dos animais sacrificados, não teve mais dúvidas e apelou a Zeus. Este interrogou o filho, que persistiu na negativa, mas acabou por ceder e ser obrigado a prometer que nunca mais faltaria com a verdade - fazendo a ressalva de que não se obrigaria a dizer a verdade por inteiro. Apolo encantou-se, porém, com o som da lira e acabou por trocar o rebanho furtado pelo novo instrumento.
- Hermes, ao pastorear o gado, inventou a siringe, ou flauta dos pastores, formada por vários canudos desiguais. Apolo também a desejou e ofereceu em troca o cajado de ouro de que se servia para guardar o gado de Admeto. Hermes disse que aceitaria, se Apolo lhe desse também lições de adivinhação. Apolo assentiu e o caduceu de ouro passou a figurar entre os atributos de Hermes, que também se tornou patrono da arte divinatória por meio de seixos.
- Certa vez Io, bela jovem amada por Zeus, foi transformada em novilha branca por ela não ser atacada por Hera. Desconfiada Hera colocou Io sob os cuidados de Argos que tinha cem olhos. Como ele nunca fechava mais do que dois cada vez para dormir, podia vigiar Io constantemente. Então Zeus mandou Hermes salvar a moça. Levando o seu bastão que tinha o poder de adormecer as pessoas, foi ao encontro de Argos tomando a forma de um pastor. Sentou-se ao seu lado, contou histórias e tocou sua gaita com tal suavidade que todos os cem olhos de Argos se fecharam. Então cortou a cabeça de Argos e libertou Io. Hera tomou os cem olhos de Argos e os espalhou na cauda de seu pavão como adorno.
- Quando os deuses viram Tífon atacar o céu, Zeus e Atena o enfrentaram, enquanto os demais fugiram para o Egito e transformaram-se em animais para se esconder: Apolo tornou-se um falcão [Hórus], Hermes um íbis [Thoth], Ares um peixe [Onúris], Ártemis uma gata [Neith ou Bastet], Dioniso um bode [Osíris ou Arsafes], Héracles um cervo, Hefesto um boi [Ptah] e Leto um musaranho [Wadjet]. Zeus foi vencido e Tífon tomou-lhe a harpe de adamanto para cortar-lhe os tendões, aprisionou-o na caverna Corícia, embrulhou os tendões em uma pele de urso e deu-os para que a dragoa Delfine (meio mulher, meia serpente) os guardasse. Mas Hermes e Egipã roubaram de volta os tendões e conseguiram reimplantá-los em Zeus sem serem vistos. Recuperando as forças, Zeus apareceu de repente no céu em um carro puxado por cavalos alados e caçou Tífon com seus relâmpagos até conseguir sepultá-lo sob o monte Etna.
Sincretismos de Hermes[]
Em Roma, Mercúrio, filho de Júpiter e Maia, foi sincretizado com Hermes. Sua representação era semelhante à do deus grego, mas a concepção romana enfatizava sua qualidade de deus do comércio, principalmente o comércio de grãos (seu nome deriva de mercare, "comerciar" em latim), que para o Hermes grego não era seu aspecto mais importante. Assim, foi principalmente como signo do comércio que a imagem de Hermes ou Mercúrio e de seus símbolos tradicionais foram usados pela iconografia moderna.
Na Gália, Mercúrio foi sincretizado, por sua vez, com o deus celta Lugus, acompanhado nesse aspecto pela deusa Rosmerta. Lugus parece ter sido originariamente um deus solar, da guerra e da magia, mas também era deus do comércio, o que proporcionou a assimilação.
No Egito, Hermes - por seu aspecto "hermenêutico" de intérprete e arauto da vontade dos deuses - foi sincretizado com Toth, deus da escrita, da magia e da sabedoria, patrono de astrólogos e alquimistas. Isto se expressa no mito de Tífon: quando o monstro se aproximou, a maioria dos deuses olímpicos (exceto Zeus e Atena) fugiu para o Egito e cada um se transformou em um animal para se esconder. Hermes tomou a forma de íbis, a ave de Thot.
O aprofundamento desse sincretismo pelo civilização helenística de Alexandria foi chamado Hermes Trismegisto (Ἑρμῆς ὁ Τρισμέγιστος, "Hermes Três Vezes Grande") ou, em latim, Mercurius ter Maximus. Foi às vezes considerado como um mago humano do passado, contemporâneo de Moisés e lhe foram atribuídos vários textos de caráter filosófico (gnóstico ou neoplatônico) mágico ou supostamente relacionados à iniciação dos sacerdotes egípcios, incluindo o Corpo Hermético, a Tábua de Esmeralda e o Kybalion (também chamado "Caibalion", em português), compostos entre os séculos I e III d.C.
No Ocidente, a redescoberta desses textos na Renascença, a partir de cópias bizantinas, fez ressurgir a tradição do hermetismo, que teve seu auge no século XVII, mas continua a influenciar o esoterismo até os dias de hoje - daí a identificação de "hermético" com "secreto, oculto". Também dessa tradição hermética vem o sentido de "hermeticamente fechado", pois a invenção do processo de selar completamente um tubo de vidro, usado por alquimistas, era atribuída a Hermes Trismegisto.
No mundo germânico, Hermes-Mercúrio foi associado a Wotan, Woden ou Odin, provavelmente devido à relação de ambos com o além-túmulo e a magia. Já no século I, o historiador Tácito identificava "Mercúrio" como o principal deus germânicos e a evidência da associação permanece na identificação do dies mercurii latino ("quarta-feira" em português, mas mercredi em francês, mercoledì em italiano e miércoles em castelhano) com o wednesday inglês.
Referências[]
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- Junito de Souza Brandão, Dicionário Mítico-Etimológico da Mitologia Grega. Petrópolis: Vozes, 2000
- Theoi: Hermes Estate [1]